sábado, 18 de agosto de 2012
Ornatos Violeta brilharam no ultimo dia!
2h30 - O concerto dos Ornatos Violeta chega ao fim, com banda e público em êxtase. O espetáculo da banda do Porto, que tinha fechado a "loja" há coisa de dez anos, era o mais aguardado da noite e, possivelmente, de todo o festival. Se o alinhamento não seria, à partida, passível de causar grande surpresa - esperava-se que respeitasse a ordem das canções de O Monstro Precisa de Amigos , o que, com uma ou outra intromissão bem-vinda, foi acontecendo - muitos outros fatores suscitavam expectativa no público, a perder de vista, que enchia o anfiteatro de Paredes de Coura. Nunca em Portugal, que nos lembremos, uma banda rock de sucesso moderado/de culto no seu tempo de vida regressou à atividade dez anos depois, com uma base de fãs dilatada e sôfrega. Durante muitos anos, os músicos que haviam integrado o grupo negaram a possibilidade de se virem a reunir, o que agora deixava nos mais inquietos, também, a dúvida: como encarariam Manel Cruz (voz), Peixe (guitarra), Elísio Donas (teclados), Nuno Prata (baixo) e Kinörm (bateria) a multidão que os aguardava? Afinal, ainda recentemente o guitarrista - que hoje tocou, também, com os Dead Combo e apareceu em palco com uma t-shirt daquela dupla - admitia que, tecnicamente, a missão estava "controlada", e que o problema poderia ser a questão emocional.
A resposta a quase todas estas inquietações não podia ser mais positiva: à medida que se aproximava a concretização daquele que foi, ao longo dos anos, um sonho impossível para tantos, a ansiedade era palpável e bonita de se sentir. Quando, ao fim de algumas ameaças, o quinteto do Porto entrou em palco, de sorriso estampado no rosto e braços erguidos, triunfais, o arrepio coletivo deve ter-se sentido no Norte de Espanha. "Tanque", uma das canções mais monolíticas de Monstro e aquela que abre o disco, provou ser verdade aquilo que Manel Cruz dissera à BLITZ: que embora a banda já não tenha a "energia adolescente" de outros tempos, encontra agora na contenção (vocal, mas não só) um novo trunfo. A expressividade do cantor, todavia, mantém-se inalterável, sobretudo nos temas em que se vê livre da guitarra.
Seguiram-se "Chaga" e "Dia Mau", duas das canções mais fortes do disco e que, por culpa de alguns "espectadores" e não da banda, deixaram um travo amargo em muitos dos fãs que se encontravam nas primeiras filas: a BLITZ teve a triste ideia de assistir ao concerto perto do palco e, além de perder um sapato (nada de grave), viu muita gente a ter de ser retirada por seguranças e fotógrafos, esmagada e com falta de ar - admiradores da banda que perderam a oportunidade de usufruir convenientemente de um grande concerto, graças àqueles para quem o mosh é tão natural, e tão falho de regras, em concertos como Ornatos Violeta ou Kasabian (!).
De volta à música: outra das grandes curiosidades que sentíamos prendia-se com a "volta" que os Ornatos iriam dar a "Deixa Morrer" e "Fim da Canção", duas das melhores canções de Monstro , geralmente proscritas da digressão desse álbum. Graciosas, ambas foram dos melhores momentos deste espetáculo onde também "Ouvi Dizer", que sofreu do efeito contrário - sobre-exposição e alguma saturação por parte de Manel Cruz - ganhou uma vida nova. A parte final, em disco declamada por Vítor Espadinha, surgiu num tom mais coloquial, exigindo, possivelmente, uma emoção diferente por parte do cantor: e o público acompanhou, emocionado, gritando para um dos dois microfones que Manel Cruz usou nessa música.
"Como se diz na minha terra: foda-se!", desabafou então o "Bandido", gerando um coro espontâneo desse mesmo vocábulo. Logo a seguir, "Capitão Romance", outro dos pontas-de-lança do segundo e último disco de Ornatos, mostrou ter nascido para ser cantada em Paredes de Coura: toque mediterrânico, canção para marinheiros bêbedos, uma melancolia sem fim, doçura para entoar, sem atenção ao desafino, até perder a voz. No mesmo campeonato do algodão doce com travo agridoce, "Coisas" (pequena catedral, percebemos hoje - e como gostámos de ouvir Nuno Prata a cantar) e "Notícias do Fundo" (de uma beleza quase litúrgica, respeitada pelo público - mas também já estávamos longe do buraco negro onde perdemos o sapato) mostraram como os Ornatos se empenharam na preparação deste concerto. O novo final de "O.M.E.M." (com os Faith no More de "Gentle Art of Making Enemies" a transformarem-se nos Mr Bungle) ou o brilhantismo de "Nuvem" deixaram o público de Paredes de Coura como deve estar o público de um festival, na hora do cabeça de cartaz: tudo a olhar para o mesmo lado, o palco.
Para o encore, como haviam dito os Ornatos em entrevista à BLITZ, podiam estar reservadas as surpresas, ou seja, as faixas que não entraram em Monstro : e foi assim que "Devagar" e "Como Afundar" (uma das melhores letras de Manel Cruz) chegaram a palco, em modo semi-acústico e sentido, e os espantosos épicos "Há-de Encarnar" e "Tempo de Nascer" (a canção com que nos apaixonámos pela banda, incluída na compilação Tejo Beat ) voltaram a levar o eco dos cinco da Invicta a toda a região do Minho-Galiza. Por esta altura já não sobravam quaisquer dúvidas sobre a paixão com que os Ornatos Violeta encetaram esta sua nova vida (em Outubro há mais quatro coliseus) - os sorrisos dos músicos foram mesmo algo de comovente e recompensador para qualquer fã ver - nem do valor de Monstro , que em 2012 não só não soa datado como é perfeitamente capaz de perfazer um concerto de altíssima qualidade.
Guardado estava ainda um encore com oferendas que ninguém podia antecipar: um tema de 1993, "A Metros de Si", espelho das influências cabaré dos primeiros anos dos Ornatos, "Pára-me Agora", um dos inéditos da caixa lançada no ano passado - e convite para a trupe da banda invadir, aos saltos, o palco numa celebração castiça - e, nem sequer contemplado no alinhamento, "Dias de Fé", uma rajada de ruído nunca gravada e que nos lembramos de ter encerrado o concerto na Aula Magna, em promoção de O Monstro Precisa de Amigos , em 2000. Foi o espetáculo em que mais gente vimos para ver os Ornatos: e, dessa vez, a Aula Magna nem sequer encheu. Esta noite, Paredes de Coura rebentou pelas costuras para fazer uma vénia à banda que não esqueceu na última década. Numa e outra ocasião de triunfo, "Dias de Fé" fechou. A fé compensa - confirmá-lo foi um prazer.
Texto de Lia Pereira
Fotos de Rita Carmo/Espanta Espíritos
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